Liliana Felipe

Nascimento: 22/08/1954 – Las Varillas, Córdoba, Argentina

Liliana Felipe é cantora, compositora, pianista, cabareta e ativista social.  É casada com Jesusa Rodríguez, sua companheira desde 1980, com quem inaugurou o cabaré “El Fracaso” em 1981 e posteriormente, em 1990, o “El Habito”. Ambas se dedicaram ao teatro-bar “El Habito” até 2005, quando passaram-no a outra companhia – Las Reinas Chulas – que o renomeou de “El Vicio”. Liliana e Jesusa então passaram a se dedicar  a projetos independentes que já desenvolviam paralelamente.

Suas músicas são consideradas teatrais e cinematográficas. Em suas obras estão presentes fortes críticas ao autoritarismo do Estado, à hipocrisia da igreja católica e ao racismo no México. Grande parte da sua composição deriva da sua luta pela descolonização das Américas, pela igualdade e liberdade dos povos. Como ativista social, se destaca na luta pelos Direitos Humanos e pelos Direitos dos Animais.

Liliana se autodefine como “Cabaretera, vegana, feminista, antiespecista, clerofóbica, antitaurina, menopáusica, y MORENA”.

 

Pesquisa Realizada por: Valentina Senra Miranda (Discente de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO)

Galeria de Fotos: 

 

 

 

Links de vídeos: 

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http://hidvl.nyu.edu/video/q573n9kf.html>

http://hidvl.nyu.edu/video/000065997.html

 

Mais sobre sua biografia:

Liliana Felipe nasceu na Argentina no ano de 1954 em Las Varillas, uma pequena província de Córdoba. Em seu primeiro ano de vida, foi com a família para Villa Maria – onde, aos sete anos, começou a ter aulas de piano com a mestra Cuqui. Quando lhe perguntaram porque começou tão cedo, ela disse que não foi devido a ninguém da família, e sim, por ter visto a imagem de um piano na televisão e desde então é apaixonada pelo instrumento. Em 1964 passou a estudar piano com Irene Timacheff, e logo em 1966, quando é criado o Conservatório Provincial de Música Felipe Boero, faz parte da primeira geração de ingressantes, continuando seus estudos com Irene Timacheff. Sobre o piano, Liliana afirma ter sido um grande salva-vidas e com ele pôde estabelecer uma relação perfeita: por ter um piano para tocar, sua vida foi salva.

Em 1973 ingressou no curso de Composição e Aperfeiçoamento Instrumental oferecido pela Escola de Artes da Universidade Nacional de Córdoba, onde se juntou ao coro universitário – na época dirigido por Norma Basso. Participou também da fundação do Movimento Independente de Canto Popular de Córdoba como integrante do grupo “Nacimento”. Nesse período, se afastou do piano, chegou a tocar flauta e clarinete, mas não deu continuidade ao estudo destes instrumentos.

Em janeiro de 1997, o grupo “Nacimento” foi convidado para tocar na “La Concha Acustica”, no Peru. A viagem se estende por conta do golpe militar argentino em março desse mesmo ano. Passaram pelo Chile, Peru, Equador, Colombia, El Salvador e Costa Rica, chegando ao México em dezembro de 1997. De acordo com Liliana, os integrantes do grupo sentiram uma grande diferença ao deixarem a Argentina; puderam perceber como a censura pesava para eles no país natal e, devido a isso, decidiram seguir viagem com a turnê, indo para onde eram chamados, cantando para sobreviver e dividir.

Liliana se nacionalizou como mexicana – país em que mora até hoje. Em 1980, conheceu sua parceira: a diretora, atriz e cabareta mexicana Jesusa Rodriguez, com quem é casada atualmente. Liliana foi assistir a uma performance de Jesusa, e conta sobre tê-la visto da plateia e ter pensado: “vou morrer com essa mulher”. Liliana e Jesusa, também chamadas de Las Patronas, abrem juntas o cabaret “El Fracaso”, em 1981. Em 1990, restauraram o Teatro de La Capilla, em Coyoacan, no México, e fundaram o “El Habito” – um teatro-bar que é, ao mesmo tempo, laboratório de pesquisa em cabaré e um espaço para performance de cantores e artistas – um lugar de produção cultural independente.

Em colaboração com a companhia de teatro a qual pertenciam, “Las Divas”, Jesusa e Liliana produziram, dirigiram e performaram em centenas de shows durante 15 anos no “El Habito”. Em 2005, “passaram a tocha” para outra companhia, “Las Reinas Chulas”, que mudaram o nome do espaço para “El Vicio”.

O primeiro disco de Liliana foi lançado no México, em 1980, dedicado à Comissão de Familiares e Desaparecidos Por Razões Políticas na Argentina. Atualmente, Liliana é referência na Argentina, admirada por seu engajamento nas causas sociais como, por exemplo, o trabalho que desenvolve com a HIJOS (Filhos pela Identidade e a Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio), fundada pelos filhos dos desaparecidos políticos da ditadura militar.  Em 2000 e em 2002, Liliana realizou concertos beneficentes em prol da organização, que aconteceram no Auditório de Rádio Nacional de Córdoba e no Teatro del Libertador San Martín, também em Córdoba.

Em 2000, recebu junto com Jesusa o prêmio OBIE, concedido periodicamente pelo jornal Village Voice – reconhecido como a premiação de maior prestígio de teatro do circuito off-broadway dos Estados Unidos – pelo espetáculo “Las Horas de Belén” (ou “A Book of Hours”). A performance falava da violência contra as mulheres no México colonial, focando especificamente no encarceramento de mulheres na casa de “caridade”/prisão Belén, fundada em 1683 pra mães solteiras e mulheres marginalizadas de modo geral.

O projeto foi resultado de dois anos de pesquisa e o roteiro consistia, principalmente, em letras de canções de Liliana, escritos projetados, e um diálogo mínimo, além das poesias de Catherine Sasanov, interpretadas por Jesusa. O espetáculo estreou em março de 1999 no “Festival del Centro Histórico no Claustro of Sor Juana”, na Cidade do México, e em maio do mesmo ano, foi montado no “P.S. 122”, em Nova York. Seguiu, então, por várias cidades americanas, até voltar para o México.

Enquanto trabalhavam na peça, foram profundamente afetadas pelos relatos de estupros e assassinatos impunes de centenas de jovens mulheres que trabalhavam nas fábricas próximas à fronteira do México com os EUA. A indiferença dos órgãos de justiça e do poder público em relação a esta violência ecoou nas histórias que as artistas estavam revelando sobre as mulheres de Belén, integrando a performance.

Também nos anos 2000, elas se casam, e fazem da cerimônia um casamento/performance como forma de protesto à +LGBTfobia e à igreja católica, manifestando poio e o compromisso à luta pela nova lei mexicana “Ley de Sociedad de Convivencia”.

A sacerdotisa que conduziu a cerimônia de casamento abordou questões políticas contemporâneas; brincou sobre a explosão demográfica ser uma das grandes dificuldades que a espécie humana enfrenta e como era “tranquilizante que esse casal não iria contribuir para tal” – satirizando o mito de que casais +LGBT não têm filhos. A bíblia foi aberta e citada durante a cerimônia, e a sacerdotisa comentava que o livro não poderia ser considerado sagrado, visto que é inverossímil, incoerente, imoral e muitas vezes cruel, que só é visto como sagrado por um povo atrasado e fanático – discurso quase inimaginável numa cerimônia de casamento. Ela citou, ainda, o dicionário filosófico de Voltaire, e usou a questão do casamento ser um contrato sacramentado pelos católicos romanos (a fim de impedir que soldados fossem desertores, ao basear uma família em sua pátria), para alertar que o contrato tem efeitos civis, sacramentais e espirituais. Termina dizendo que o casamento é uma instituição que exige a submissão, e que se as duas desejavam submeter-se, então que se iniciasse a submissão.  Liliana e Jesusa, então, fizeram seus votos nada convencionais e, após o beijo, ao serem consideradas mulher e mulher, assinaram um termo de divórcio, sem violência nem rancores, alegando que, se não fosse para ser melhor a cada dia, não era pra ser, e finalizam a cerimônia declarando o texto de Voltaire:

Eu fui uma tola e você também, mas venha e seja minha esposa e tentemos, antes de morrer, dar algum sentido à vida. Nós não somos puras, nem sábias, nem boas. Fazemos o melhor que podemos: construímos nossa casa, cortamos nossa lenha e cultivamos nosso jardim. Eu achava que o mundo era mamão com açúcar, pelo que os professores disseram; agora eu já ensinei minhas mãos como assar a massa do nosso pão de cada dia. Deixe os sonhadores sonharem os mundos que os agradam. Esses paraísos não podem ser encontrados. As flores mais doces, as árvores mais fortes crescem na terra seca. Não somos puras, nem sábias, nem boas, fazemos o melhor que podemos: construímos nossa casa, cortamos nossa lenha e cultivamos nosso jardim.

De 2000 pra cá, Liliana passou a participar dos “Encontros de Performance”, do Instituto de Estudos Hemisféricos da Universidade de Nova York (NYU), sob a coordenação de Diana Taylor.

De 2001 a 2004, foi contratada pelo IMSS (Instituto Mexicano de Seguridade Social) para realizar oficinas de empoderamento para mulheres indígenas e camponesas em quinze estados do México. Em 2004, compôs uma canção cujas letras são escritas na língua nahuátl asteca, como uma homenagem à influência que a cultura originária tem à cultura mexicana e também uma ironia respeitosa quanto ao uso do lunfardo no tango tradicional.

Em 2002, lançou o álbum Trucho, um adjetivo argentino que corresponde a “pirata”, “ilegal”, “falso”, “desvalorizado”, no qual exprime sua crítica aos problemas sociopolíticos atuais da América Latina. Em 2003, Liliana e Jesusa realizaram o concerto de “Trucho” no El Habito, cantando e performando as canções do álbum: “Madame Bovary”, “Pobre gente”, “No te lo puedo decir”, “Las Histericas”, e muitas outras. Em uma das performances do concerto, Liliana comenta enquanto Jesusa canta com ela uma versão teatral e cômica de um tradicional huapango mexicano, e as cantoras brincam com vários registros vocais, no caso do huapango, com as sílabas que formam o nome do vulcão Popocatepetl. Também cantam “Mujeres del campo”, um hino composto para as várias oficinas realizadas no verão de 2002 com camponesas de povos indígenas mexicanos. Com o tango “Lo que vos te merecés”, a pedido do público, Liliana termina o concerto cuja direção, produção e performance são assinadas pelo casal.

“El Hábito” foi um lugar de encontro para intelectuais, feministas, ativistas dos direitos LGBTQIA+ e pessoas que buscavam se envolver com um humor inteligente e crítico. Neste espaço “off-off”, com a colaboração de sua companhia teatral “Las Divas”, Jesusa e Liliana produziram centenas de shows desde os anos 80.

Em 11 de março de 2010, ela se casou efetivamente com Jesusa Rodriguez, sendo um dos quatro primeiros casais do mesmo sexo a se casar no Distrito Federal, no México.

 

Referências Bibliográficas:

VITALE, Cristian. “No pódemos ser cómplices y esclavos desta injusticia”. Página 12. Argentina, 17 de Janeiro de 2017. Disponível em: <https://www.pagina12.com.ar/14614-no-podemos-ser-complices-y-esclavos-de-esta-injusticia> Acesso em: 17/05/2019

“Canciones de Humor Irreverente”. Bitacora de Vuelo. Córdoba, 29 de Junho de 2015. Disponível em: <http://www.bitacoradevuelo.com.ar/2015/07/01/liliana-felipe-2/> Acesso em: 16/05/2019

“La historia de “Nos tienen miedo”, la canción de Liliana Felipe que se canta como un himno” Vos, La Voz. Argentina, 23 de agosto de 2016. Disponível em: <https://vos.lavoz.com.ar/musica/la-historia-de-nos-tienen-miedo-la-cancion-de-liliana-felipe-que-se-canta-como-un-himno> Acesso em: 16/05/2019

PONCE, Roberto. “Liliana Felipe, arte y compromiso” Proceso. México, 5 de Junho de 2012. Disponível em: <https://www.proceso.com.mx/309791/liliana-felipe-arte-y-compromiso-politico>. Acesso em: 15/05/2019.

Hemispheric Institute. Nova York. Disponível em:<https://hemisphericinstitute.org/en/hidvl-collections/item/450-habito-rodriguez-felipe-wedding.html>

<https://hemisphericinstitute.org/en/enc14-performances/item/2330-enc14-performances-rodriguez-felipe-juana.html>

<https://hemisphericinstitute.org/en/hidvl-collections/elhabito-performances/itemlist/category/64-habito.html>Acesso em: 17/05/2019