Suzy King

Nascimento: 28 de agosto de 1917, Brasil
Morte: 9 de agosto de 1985, Estados Unidos
Nome de registro: Georgina Pires Sampaio
Nome artístico: Suzy King

Georgina Pires Sampaio iniciou sua carreira artística em 1939, em São Paulo, sob o pseudônimo Diva Rios, cantando sambas, marchas, músicas regionais e canções indígeno-brasileiras. Mais tarde, no Rio de Janeiro, seguindo o caminho aberto pela vedete Luz del Fuego, passou a se apresentar com cobras em espetáculos de canto e dança em circos, boates e teatros, usando o nome Suzy King. Anunciada como “A Deusa das Serpentes”, Georgina seguiu por toda a década de 1950 ganhando por diversas vezes manchetes nas primeiras páginas dos jornais, mais pelas confusões que provocava com suas cobras e seu corpo do que por motivos essencialmente artísticos.

Pesquisa realizada por: Pamella Almeida (discente de teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO)

Galeria de fotos:

Mais sobre sua biografia

Georgina Pires Sampaio teria nascido, segundo documentos de identidade expedidos em São Paulo e no Rio de Janeiro a partir de 1938, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 28 de agosto de 1917. Sua árvore genealógica, porém, aponta para a região de Jequié, na Bahia. Foi ali que, no dia 05 de outubro de 1906, Josino Pires Sampaio, seu pai, se casou com Etelvina Ferreira do Nascimento, sua mãe (também chamada de Etelvina Pires Sampaio, Etelvina Ferreira Pires e Etelvina Ferreira Sampaio em documentos). Além disso, no registro de nascimento de Carlos, filho de Georgina nascido na Ladeira de São Miguel, em Salvador, em outubro de 1932, ela se declarou natural da Bahia. Esse registro, datado de março de 1937, é a referência mais antiga encontrada sobre Georgina, que, na época, residia na Rua Carlos Gomes, em Salvador. A partir de 1940, seu filho – registrado em 1937 como Carlos Alberto Sampaio, em registro no qual não constava o nome de seu pai – seria declarado filho do major baiano Rodolfo Lopes de Araújo. Pouco mais de um ano depois, em 28 de agosto de 1938, dia no qual completava vinte e um anos de idade, Georgina embarcou no navio Conte Grande em Salvador, Bahia, tendo viajado sozinha, na segunda classe, e aportado em Santos, São Paulo, no dia 31 de agosto. Na ocasião, seu destino era o Hotel Concórdia, na capital do estado. Nessa época, a atividade artística em São Paulo era controlada pelo Serviço de Censura e Fiscalização de Teatros e Divertimentos Públicos, que cuidava tanto dos contratos dos artistas com as casas de espetáculos e companhias quanto das carteiras de registro de artista, que eram indispensáveis a todos para que pudessem comprovar que exerciam profissionalmente suas habilidades. Algum tempo depois de sua chegada na capital paulista, Georgina se registrou como artista junto ao Serviço de Censura.
Em outubro de 1940, estabilizada profissionalmente, Georgina tomou um navio para Salvador e buscou seu filho – que estava sob os cuidados dos padrinhos em Alagoinhas – levando-o para morar consigo em São Paulo, em um hotel situado na Rua Vitória, 50, no centro da cidade. No dia 17 de outubro, Georgina registrou novamente Carlos em cartório, dessa vez como Carlos Sampaio de Araújo. Nesse segundo registro, o menino ganhava um pai: Rodolfo Lopes de Araújo. De acordo com ele, Georgina e Rodolfo teriam se casado em Jequié. Em 1940, Rodolfo vivia em Salvador, onde era casado com outra mulher, com a qual tinha três filhos. Ele faleceu no dia 11 de março de 1948, na capital baiana. Anos mais tarde, Carlos seria apresentado à imprensa por Georgina como seu irmão de criação e também como seu sobrinho. O verdadeiro parentesco entre os dois nunca foi revelado publicamente. Ainda em 1940, recém-chegada da Bahia, e novamente no início de 1941, Georgina se apresentou no Dancing Danúbio Azul, localizado na Praça Princesa Isabel, em São Paulo, anunciada como “Diva Rios, muito apreciada cantora de sambas e marchas”. Nesse período, Georgina também teria se apresentado em estações de rádio e casas noturnas no interior de São Paulo, em cidades como Marília, e no Cassino Tabaris, em Salvador. Em seguida, Georgina se instalou no Rio de Janeiro e prosseguiu com suas atividades artísticas, se registrando em 02 de abril de 1943 na Delegacia de Costumes e Diversões do Rio de Janeiro. Sua ficha contém, além de suas informações pessoais, um único registro profissional: sua contratação pela Empresa Paschoal Segreto para atuar na opereta “Alvorada do amor”, cuja estreia ocorreu no dia 14 de dezembro de 1944, no Teatro Carlos Gomes. Consta nessa ficha a troca oficial do pseudônimo Diva Rios por Suzy King em 23 de outubro de 1953.
Por essa época, Georgina foi morar em uma pensão na Rua do Rezende, 87, na Lapa carioca. Foi quando morava lá que surgiram nos jornais as primeiras notícias escandalosas nas quais se viu envolvida, todas sobre problemas com o senhorio da casa de cômodos que funcionava no local. Diva Rios também se apresentava como bailarina fantasista em números folclóricos. Nessa área, fez dupla com o bailarino clássico Jorge Livért, do corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Juntos, Jorge e Diva criaram números como “Macumba de Nêgo”, com música de Pinto Ferreira, que apresentaram em um show de variedades realizado no Teatro República em dezembro de 1946.
Uma das primeiras referências a Georgina como Suzy King data de 1952, quando uma fotografia sua foi publicada no jornal carioca “A Manhã”, apresentando-a como “uma das destacadas bailarinas típicas e clássicas que atua em nosso ambiente artístico”.

A primeira referência encontrada na qual Suzy King aparece ligada às serpentes data de outubro de 1953, quando ela submeteu ao Serviço de Censura de Diversões Públicas um texto teatral de sua autoria – intitulado “O Bote da Sucuri” ou “O Bote da Jiboia” – para que pudesse encená-lo. Ao que tudo indica, ela mesma representaria o papel de Yara, a Deusa das Selvas, capturada por uma tribo indígena e lançada no Covil das Sucuris – pretexto para a execução de um número de dança (referido no roteiro como “uma luta dançante”) com uma cobra. Não se sabe se Suzy King realmente encenou “O Bote da Sucuri”, mas o texto foi liberado pelo Serviço de Censura. No início de dezembro de 1953, Suzy King viveu pela primeira vez uma experiência que repetiria muitas vezes nos anos seguintes: a de ser manchete simultaneamente nos maiores jornais do Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Ela tinha viajado a trabalho para Ilhéus, na Bahia. Fechara contrato com um circo e fora se apresentar no interior baiano com suas cobras. O que aconteceu em seu retorno ocupou as páginas de todos os jornais do Rio de Janeiro: uma de suas jiboias, mal chegara em casa, teria escapado da caixa na qual estava guardada e fugira até a varanda do apartamento vizinho, onde residia uma senhora italiana, que fez um pequeno escândalo ao descobrir a presença da ofídica intrusa em sua varanda. Acidental ou não, a confusão foi habilmente usada por Suzy King, que falou com todos os jornais que lhe procuraram, aproveitando para se promover e fazendo troça com o episódio, dizendo que suas cobras eram apenas “duas minhocas”. A partir de então, Suzy King se tornou mais conhecida, sendo até citada pela atriz Suzy Kirby em uma entrevista à “Revista do Rádio”, reclamando que a semelhança de seus nomes artísticos vinha lhe trazendo aborrecimentos. Entre outros espetáculos, Suzy King esteve em Curitiba em agosto de 1954, se apresentando na boate do Hotel Mariluz, no show “Noites românticas de Viena”, e no Cine Curitiba, cantando e dançando sambas, rumbas, mambos, frevos e maracatus. As cobras de Suzy King continuavam rendendo nos jornais. A crônica “As cobras”, por exemplo, publicada no jornal “Última Hora” em 1955, não incluía seu nome, mas trazia à tona o suposto drama enfrentado pelos moradores do prédio em que ela residia devido à presença ameaçadora de suas cobras no edifício. Ao longo dos anos 1950, era comum, quando ia chegando o Carnaval, o anúncio de concursos que coroariam as rainhas dos festejos daquele ano: Rainha do Carnaval, Rainha das Atrizes, Rainha das Vedetes, Rainha das Girls, Rainha da Cidade, Rainha do Frevo, Rainha de determinado baile carnavalesco e Rainha do que mais se pudesse imaginar. Os concursos atraíam artistas de todas as áreas e representavam para as que ainda não haviam obtido o devido destaque a grande chance de conquistar a fama tão almejada. Em 1955, Suzy King já era artista profissional há mais de quinze anos, embora usasse esse nome há apenas três e apesar de tantos anos dedicados à atividade artística, o que conseguira ainda era pouco. Por isso, um concurso desses podia ser sua grande chance de brilhar. Assim, no final daquele ano, Suzy King tomou parte no concurso que elegeria a Rainha das Atrizes de 1956, disputando a coroa e outros prêmios com Angelita Martinez, Peggy Aubry, Wilza Carla, Rosita Lopes e outras artistas. No final do concurso, Suzy King ficou em quarto lugar, com quase quinze mil votos. A vencedora, Angelita Martinez, contava quatrocentos e cinquenta mil votos. Cerca de sete mil votos separavam Suzy King de uma das princesas eleitas naquele ano: Wilza Carla, que ficou com o terceiro lugar.

Na segunda metade dos anos 1950, o Rio de Janeiro era pródigo em faquires, que, aos poucos, se espalharam por todo o Brasil. A onda durou até o final da década, quando os sucessivos escândalos envolvendo faquires terminaram por desinteressar o público desse tipo de exibição. O espetáculo era quase sempre o mesmo: uma urna de vidro instalada em local de grande circulação de pessoas, na qual o faquir, trancafiado por algumas dezenas de dias, geralmente procurando bater algum recorde, jejuava sobre uma cama de pregos ou cacos de vidro cercado por cobras. Entre os faquires mais famosos da época estavam Silki, um dos poucos que seguiu na profissão depois dos anos 1950, e Urbano, que começara sua carreira de jejuador nos anos 1920, seguira se apresentando pela América Latina e, aproveitando a volta da moda do faquirismo, retornara ao Brasil e passara a se exibir ao lado de sua esposa Mara, que também jejuava. Embora o Brasil tivesse tido algumas jejuadoras nos anos 1920, foi nos anos 1950 que elas ganharam um nome especial – faquiresa – e receberam mais atenção por parte da imprensa. Elas costumavam unir o jejum à sensualidade que podia haver na imagem de uma mulher exposta com cobras, muitas vezes com poucas roupas, despertando grande interesse por parte do público. Suzy King, que tentava construir uma carreira sólida há quase vinte anos, deve ter visto no faquirismo uma possibilidade de obter o destaque que buscava. Verdade seja dita, essa parece ter sido a motivação principal de todas as mulheres que se dedicaram ao faquirismo nos anos 1950: a busca pelo sucesso não alcançado em outras áreas artísticas. E para Suzy King, que já tinha experiência com cobras, aquilo deveria ser fácil.

A primeira referência encontrada sobre uma prova de jejum de Suzy King data de março de 1956, quando, depois de vários dias se apresentando no rádio e na noite de Juiz de Fora, em Minas Gerais, a artista foi encerrada em uma urna de vidro no Cine Glória, sendo levada de caminhão até o Edifício Juiz de Fora, na Rua Halfeld, 763, onde passou vinte dias jejuando ao lado de três serpentes, trajando apenas um biquíni. Em maio de 1956, Suzy King realizou outra prova de jejum, dessa vez em São Paulo. Nessa ocasião, ela se exibiu novamente encerrada em uma urna de vidro com suas cobras, dormindo não sobre uma cama de pregos ou cacos de vidro, mas sobre um colchão de espuma. Na entrada, um aviso: “Não falem com a faquiresa. A bela entre as feras”. Esse período também foi marcado por exibições de Suzy King dançando com suas serpentes em boates de São Paulo e do Rio de Janeiro, como a paulista Canadá e a carioca Bidou. Em novembro de 1956, Suzy King protagonizou uma das mais pitorescas confusões em que teve seu nome envolvido. Tudo começou quando ela mandou sua empregada comprar salsicha em uma mercearia de sua rua. A salsicha, dizia Suzy King, estava em um estado deplorável e, além disso, tinha sido muito cara pela má qualidade que apresentava. Furiosa, foi reclamar na mercearia. Não recebendo a atenção desejada e se sentindo maltratada, foi reclamar na Delegacia de Economia Popular, onde novamente não recebeu a atenção que queria e se sentiu maltratada outra vez. Restava a imprensa. E foi a ela que Suzy King recorreu, recebendo modesta atenção. Mas “modesta atenção” não bastava para ela, que queria levar a público sua reclamação, e assim foi à luta. No dia 12 de novembro de 1956, trajando o que a imprensa chamou de “biquíni sumaríssimo” e carregando uma cobra, ela foi à Praça Tiradentes, onde protagonizou um pequeno comício no qual falava de sua revolta aos transeuntes. Suzy King improvisava bailados com sua cobra até reunir ao seu redor um número de gente que considerasse suficiente. Conquistado o público, ela expunha o que já dissera à imprensa, acrescentando novos detalhes: a alimentação de suas cobras andava cara e se vira obrigada a alimentá-las com salsichas. Vítima da salsicha podre que comprara, sua cobra Café Filho havia morrido. E Suzy King explicava que pedira ao dono da fábrica de salsichas o pagamento de um valor que compensasse a perda e não tinha sido atendida, motivo pelo qual resolvera ir às ruas fazer o seu protesto. Em meio às expressões e gestos escandalosos com que Suzy King contava sua história, um senhor que a tudo assistia, se sentindo moralmente ofendido, se pôs a discutir com ela, o que desencadeou em grossa confusão, durante a qual não faltou quem tentasse, inclusive, despir completamente Suzy King. Um guarda municipal que passava por ali, tentando botar fim ao tumulto, se aproximou da artista e foi atacado por sua cobra, chamada Padilha, que, assustada com a confusão, tentava se defender atacando, em seguida, a própria Suzy King. Suzy King e o guarda foram levados a um hospital e, em seguida, a uma delegacia. Não contente com a repercussão de seu comício, Suzy King quis chamar atenção para o caso ainda mais uma vez alguns dias depois, através do jornal “Última Hora”, em reportagem intitulada “O dono da fábrica de salsichas ‘peitou’ um homem para matar-me!”, fechando com chave de ouro o exótico episódio. Passado o alarde em torno do episódio da salsicha podre, Suzy King seguiu em frente. O ano de 1957 parece ter sido dedicado a viagens e seu nome apareceu pouco na imprensa carioca. Ainda no final de 1956, Suzy King publicou um anúncio no “Correio da Manhã” procurando um secretário que viajasse com ela pelo interior e pelo exterior. No início de 1958, se exibiu no Rio de Janeiro o faquir colombiano Príncipe Ígor, prometendo bater o Recorde Mundial de Jejum em uma tenda instalada em Copacabana. Ao contrário dos outros faquires, Ígor não se comprometia apenas a ficar sem ingerir alimentos sólidos, mas também garantia que não tomaria nem água durante sua prova. Alguns dias depois, porém, Ígor teria sido descoberto comendo, o que acabou com sua exibição e gerou grande confusão. Suzy King aproveitou o episódio para se promover, se colocando no papel de defensora de Ígor – não por ele, mas pela honra do faquirismo. Ela não só acolheu o faquir em seu apartamento, como foi com ele a todos os jornais e afirmou: se provassem que o jejum de Ígor era uma farsa, ela engoliria uma cobra, o que resultou em chacota por parte da imprensa e acabou em nada. Nessa ocasião, Suzy King apareceu loura pela primeira vez na imprensa carioca. Ainda em 1958, Suzy King submeteu uma comédia de sua autoria, chamada “Aluga-se um quarto”, ao Serviço de Censura de Diversões Públicas. A peça foi proibida, o que Suzy King considerou um “ato abusivo e ilegal”, pois não era comum na época a proibição total de peças teatrais, mas sim pequenos cortes, sugestões de mudanças e classificação etária. Assim, Suzy King impetrou um mandado de segurança contra a censura através da Fazenda Pública do Distrito Federal.

Apenas em junho de 1959, saiu a decisão do juiz da Fazenda Pública do Distrito Federal sobre o mandado de segurança impetrado por Suzy King contra a censura de sua peça. José Júlio Leal Fagundes, o juiz, considerou a peça realmente atentória à moral e sentenciou que continuasse proibida, parabenizando inclusive o Serviço de Censura de Diversões Públicas por não ter permitido que fosse representada a comédia “Aluga-se um quarto”, considerada por ele “sem dúvida obscena e ofensiva ao decoro público”. No final de 1958, além de ter sua comédia proibida, Suzy King também foi presa por desacato. No dia 27 de novembro de 1958, Suzy King voltava para casa quando foi abordada por policiais que pediram seus documentos. Ela disse que era Suzy King e que vinha da TV Rio, onde acabara de participar do programa “Da vida nada se leva”. Os policiais insistiram que ela devia mostrar seus documentos, o que deixou Suzy King furiosa e acabou resultando na sua prisão. Em 13 de março de 1959, Suzy King iniciaria sua primeira exibição de faquirismo diante do público carioca, na Galeria Ritz, em Copacabana. Seu jejum deveria durar cento e dez dias. Ao fim desse período, ela teria batido o Recorde Mundial de Jejum reconhecido oficialmente até então e seria a Rainha dos Faquires. No mesmo dia em que iniciaria seu jejum, Suzy King resolveu, para efeito de publicidade e também com a intenção de se despedir da cidade antes de permanecer tantos dias fechadas em uma urna, cavalgar pelas principais ruas do centro do Rio de Janeiro, em uma referência a Lady Godiva, inclusive usando uma peruca, alusão aos longos cabelos da original. Suzy King cavalgou trajando apenas um biquíni e tinha em sua companhia um sujeito vestido de índio, que devia conduzir o cavalo e lhe proteger caso algo desse errado. E algo deu errado, o falso índio fugiu e deixou a faquiresa entregue à sua própria sorte. Depois de algum tempo rodando pela cidade, quando passava pela Avenida Rio Branco, Suzy King notou que uma multidão começava a cercá-la. Assustada, mal teve tempo de reagir quando avançaram contra ela, derrubando-a do cavalo e arrancando as peças que vestia. Como se deu o fim da confusão, não se sabe bem, pois nos relatos dos jornais há pequenas variações. O que há de certo é que Suzy King parece ter sido auxiliada por alguns transeuntes e policiais e conseguiu, vestindo uma roupa que haviam lhe emprestado, tomar um táxi e seguir até uma delegacia.
Quase vinte anos depois, em 1976, foi lançado o filme “Gordos e magros”, no qual uma das cenas era inspirada no desfile de Suzy King em 1959. No final de março, quando Suzy King já se encontrava em pleno jejum, as coisas não corriam bem, conforme contavam os jornais. A prova de jejum de Suzy King na Galeria Ritz não durou os cento e dez dias prometidos. Ela jejuava há apenas cinquenta e três dias quando conseguiu deixar a urna. Não foi sua primeira tentativa. Dias antes, mandara a empregada incendiar as cortinas da sala de exposição na qual sua urna estava instalada, na intenção de fugir durante o tumulto. Fracassara nessa e em outras tentativas, sempre impedida pelos homens encarregados de vigiá-la para que não quebrasse o contrato fechado com a companhia responsável pela exibição. Na madrugada de 06 de maio de 1959, finalmente, quebrou a urna a marteladas e estava à beira de tomar um táxi quando foi surpreendida pelo lutador Nocaute Jack, que mais tarde seria massagista da Seleção Brasileira e era então o responsável por vigiá-la. Nocaute Jack não hesitou em chamar a polícia e foram todos para a delegacia, onde Suzy King teve uma crise de nervos, se atirando no chão. Com muito esforço, conseguiram tirá-la dali e ela foi levada a um posto médico. Embora não tenham sido encontradas maiores informações sobre isso, Suzy King parece ter sido encerrada em uma urna de vidro em Copacabana novamente no final de 1959. Em 22 de janeiro de 1960, quando estaria completando cinquenta e três dias de prova, a faquiresa foi obrigada a abandonar sua urna nessa segunda exibição em Copacabana por policiais e jovens transviados, tendo sido espancada e presa na ocasião. Em 1963, Suzy King registrou em disco uma marchinha de sua própria autoria em parceria com o compositor Guará (Ramiro Dias da Conceição). A marchinha, intitulada “Me leva pra lua”, ganhou o lado A de um 78 rotações dividido com Oswaldo Pereira – que cantava “Barbado só camarão” no lado B – lançado pela gravadora Esse Eme (S. M.).

eu jogo, jogo, jogo no bicho
mas o bicho não quer dar
jogo na cabra e dá o burro
você viu que urucubaca?
me dá, me dá, me dá
me dá um cachorro aí
me dá, me dá, me dá
me dá um cachorro aí

um cachorrinho, uma vaquinha
uma cobrinha também não faz mal
meu Deus do céu!
que loucura
Gagarin, Gagarin
me leva pra lua
Gagarin, Gagarin
eu quero ir pra lua


Para o Carnaval de 1964, Suzy King lançou outra marchinha de sua autoria pela gravadora Esse Eme (S. M.): “Não tenho inveja”, lado B de 78 rotações dividido com Elias Fonseca, que cantava “Um
palhaço não chora” no lado A.


naturalmente
não sou mais broto
que que há?

mas ainda eu quebro galho
não tenho inveja
de nenhum broto
sou professora
e ainda posso lhe ensinar
tá?

Em janeiro de 1964, Suzy King disputou a coroa de Rainha dos Bailes do Hotel Glória com Angelita Martinez, Ester Tarcitano, Rosângela Maldonado e outras. Na ocasião, Suzy King usou uma fantasia intitulada “Professora Bossa-Nova”. Suzy King foi desclassificada por não possuir os requisitos exigidos para concorrer ao concurso e Angelita levou o título. A partir de 1965, Suzy King desapareceu do noticiário brasileiro. Não se sabe quando ela deixou o apartamento em Copacabana no qual morou durante mais de quinze anos, mas, no início de 1966, ele foi vendido por Hermílio Gomes Ferreira. Em dezembro desse ano, seu registro na Casa dos Artistas seria eliminado, o que significa que ela deixara de pagar as mensalidades da instituição ou pedira seu desligamento da mesma. No dia 08 de novembro de 1966, em um cartório em Curitiba, Suzy King se registrou oficialmente como Jacuí Japurá Sampaio, deixando de usar, a partir de então, o nome Georgina Pires Sampaio. Essa nova identidade parece ter sido cuidadosamente planejada por Suzy King. Enquanto Jacuí é um importante rio do Rio Grande do Sul – oficialmente o estado natal de Georgina Pires Sampaio, supostamente nascida em Porto Alegre – Japurá é um importante rio do Amazonas – estado no qual Jacuí Japurá teria nascido em 25 de dezembro de 1934, em Manaus. Ter nascido no dia 25 de dezembro, aliás, combinava com os nomes escolhidos para os pais de Jacuí Japurá: José e Maria. E não era Jesus “o primeiro e o último”? Pois Jacuí e Japurá eram rios do primeiro e do último estado do Brasil (país que Jacuí Japurá carregava consigo do Sul ao Norte em seu nome), podendo ser considerados os rios da “diva”, já que o pseudônimo usado por Suzy King no início de sua carreira artística era Diva Rios. Além disso, em suas respectivas línguas de origem, o nome Georgina significa “aquele que trabalha com a terra”, enquanto Japurá significa “aquele que trabalha com a água”. Jacuí, por sua vez, significa “água de jacu”. Não foi possível descobrir detalhes mais exatos sobre a partida de Suzy King do Brasil, mas o fato é que, entre 1966 e 1970, ela parece ter passado pelo Peru, pelo Panamá e pelo México, onde residiu em Tijuana e foi membro da Asociación Nacional de Actores, se apresentando como cantora, bailarina e encantadora de serpentes, anunciada como “La Reina del Amazonas”. Às vezes, nesses países, o nome Jacuí Japurá Sampaio aparecia grafado como Yacui Yapura Sampaio. Do México, Suzy King foi para os Estados Unidos, onde se casou no dia 05 de janeiro de 1970 com um norte-americano chamado Weldon Jackson Bailey (também conhecido como Bill Bailey), passando a se chamar Jacuí Japurá Sampaio Bailey (em alguns documentos, Yacui Yapura Sampaio Bailey ou Yacui Yapurra Sampaio Bailey). Entre 1970 e 1974, Suzy King, residindo em parques de trailers em Chula Vista, no condado de San Diego, na Califórnia, tomou uma série de providências no sentido de garantir a sua permanência nos Estados Unidos.
Em 1974, Suzy se naturalizou norte-americana. Em Chula Vista, Suzy King residiu em diversos parques de trailers, muito usuais naquela região. Alguns de seus endereços foram 288 Broadway, 568 Palomar Street e 352 Broadway. Até o momento, não foi encontrada nenhuma referência a qualquer apresentação sua realizada nos Estados Unidos. Mesmo longe do Brasil, Suzy King continuou a escrever aos jornais brasileiros pedindo que publicassem notas nas quais pedia notícias de seu filho Carlos Sampaio de Araújo. As notas foram publicadas algumas vezes, mas Suzy King nunca obteve sucesso em sua busca. Embora tenha se naturalizado norte-americana, Suzy King parece ter sido vítima de racismo e xenofobia nos Estados Unidos. Em 1983, ela processou duas vizinhas que residiam no parque de trailers na 352 Broadway acusando-as de persegui-la, agredi-la e ameaçá-la de diversas formas por não ser norte-americana. No dia 09 de agosto de 1985, o corpo de Suzy King foi encontrado no trailer no qual ela residia sozinha em um parque de trailers situado na 352 Broadway. Seu marido, segundo seus vizinhos, aparecia uma vez a cada um mês e meio e pouco sabiam dele. Através de papéis e fotografias encontrados no trailer, a polícia apurou que ela era brasileira, tinha apenas cinquenta anos de idade – embora (isso consta no relatório de sua autópsia) aparentasse ser mais velha (Suzy King contava, na realidade, sessenta e sete anos de idade) – e fora bailarina. Suzy King estava nua e tinha os cabelos grisalhos presos em tranças. Não era possível ter certeza de quantos dias seu corpo, já em estado de decomposição, ficara ali. Morrera sentada no chão acarpetado do trailer e seu corpo só tinha sido descoberto porque o dono do parque de trailers notara que ela desaparecera há vários dias e chamara a polícia. Não tendo sido possível precisar a causa exata de sua morte, ela foi declarada como “arteriosclerotic cardiovascular disease” em sua certidão de óbito. Seu marido não foi encontrado e o corpo de Suzy King foi cremado em Pasadena, também na Califórnia, no dia 16 seguinte.

Referências:

OLIVEIRA, Alberto de; CAMARERO, Alberto. A vida beat de Susy King. Disponível em:
http://suzyking.blogspot.com/ Acessado em:15/01/2021
OLIVEIRA, Alberto de; CAMARERO, Alberto. Cravo na Carne -Fama e Fome. O faquirismo feminino
no Brasil. São Paulo: Veneta, 2015.